Por Juliane Massaoka
Cheguei à Praia do Pinho, no litoral de Santa Catarina, por acaso. Sabia que cedo ou tarde teria que ir até lá, pois estava na programação da viagem a Balneário Camboriú, mas não havia programado a visita para aquele momento. Estava indo da praia do Estaleiro para a Central pela Rodovia Interpraias (que liga praias vizinhas a Balneário) para almoçar, quando vi a entrada com bandeirinhas dizendo “Praia do Pinho, seu bem estar ao natural”. Resolvi parar para ver como era.
Apesar de bem sinalizada, a entrada para a praia não é livre. Um estacionamento na única área de acesso para carros tem cancela e cobra 10 reais antecipados. Paguei o preço e ganhei um folder explicando o naturismo: “um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática da nudez social, que tem por intenção encorajar o auto respeito, o respeito pelo próximo e o cuidado com o meio ambiente”. Além disso, deixava clara a expressa proibição de qualquer ato de caráter sexual ou obsceno na praia. Dizia que é “proibido constranger, através de atitudes passivas ou ativas (olhares, gestos ou ações)”. Também havia a informação de que existe uma área de adaptação onde visitantes podem ficar com roupa, mas que na areia a nudez seria obrigatória.
Estacionei o carro sem pressa alguma. Pensei em ficar na área de adaptação, apenas observando, mas logo percebi que não daria certo. O único bar ali estava vazio e, por causa da vegetação, não dava pra ver a areia. Tomei coragem e fui até o quiosque na beira da areia perguntar sobre o aluguel de cadeira e guarda sol. Mais 10 reais. Paguei.
O rapaz que estava ali me deu uma cadeira e uma toalha. “Todo mundo senta pelado nessas cadeiras, né? As toalhas a gente lava sempre”, disse. Depois desta informação animadora ele disse que levaria o guarda-sol pra mim. Fui andando, ainda vestida, pela areia para procurar um lugar. Decidi ficar entre um grupo de argentinos sessentões com homens e mulheres – o tipo de turista que lota Balneário Camboriú depois do carnaval – e um casal bem jovem. Coloquei a cadeira mais para trás e sentei.
Tirando a roupa
Chegou a hora. Para ficar ali teria que tirar a roupa. Ao contrário do que diziam as bandeirinhas, fazer isso não foi nada natural. Olhei para os lados, vi aquele grupo com senhoras e me senti um pouco melhor. Ali não havia nenhuma gostosona querendo se exibir, como acontece em muitas praias. Ali ninguém parecia ligar para celulite. Não tinha por que ter vergonha do meu corpo. Li e reli a definição de naturismo no folder. Natureza, respeito, meio ambiente… essa é a vibe. Sem caráter sexual, sem maldade. Ok. Aproveitei um momento em que ninguém estava olhando e tirei a blusa. Ninguém olhando. Foi-se o sutiã. Aí tirei as sandálias e fui tirar o shorts. Quando abri o zíper queria me enterrar na areia de tanta vergonha.
Acontece que nessa vida de viagens seguidas e pouco tempo para lavar roupas, as calcinhas vão ficando cada vez mais raras dentro da mala. Como é o tipo de peça que não dá pra repetir, numa emergência comprei um pacote em uma loja de departamentos. Desses pacotes que vêm com várias cores diferentes. Várias cores. E nesse dia eu estava usando qual? A amarela. Uma enorme calcinha amarelo-bebê, que mais parecia uma cueca. Mais um problema de ir à Praia do Pinho sem planejamento: por mais que seja uma praia de nudismo, é preciso escolher bem a roupa a ser tirada.
Bom, no fim das contas isso ajudou. Fiquei com mais vergonha da calcinha amarela do que de ficar sem roupa. Arranquei rápido o shorts e calcinha, enrolei tudo logo pra esconder aquela peça indecente. Pronto. Estava como manda o figurino (ou melhor, a falta dele). Continuei sentada na cadeira, meio que me escondendo. Aos poucos comecei a me sentir mais à vontade e a observar o local.
No grupo de argentinos tinha mesmo gente de acordo com a descrição do folder. Um pessoal curtindo a natureza, tomando um sol sem se preocupar com mais nada. Homens e mulheres de corpos imperfeitos. Seios de diversos tamanhos e formatos. Alguns bem caídos. Depilações de modelos variados. Pelos pubianos já meio grisalhos. Órgãos sexuais de todo tipo expostos ao sol. Dizer que estava todo mundo como veio ao mundo seria uma mentira – cicatrizes acusavam cirurgias plásticas em alguns – mas era quase isso.
Tinha também alguns exibicionistas. Um velhinho alto de porte atlético desfilava de peito inflado de um lado para o outro. Tinha também um “tiozão” com uma barriga de chope imensa e dura, daquelas que fazem parecer que o homem está grávido. E, embaixo dela, uma visão surpreendente. Ele sabia que destoava do resto e andava pra lá e pra cá todo sorridente.
O casal jovem à direita estava num clima de romance. Eram os dois corpos mais bonitos do lugar. Deitaram um pouco, depois passaram protetor solar um no outro bem demoradamente. Um outro casal jovem veio caminhando do outro lado da praia e entrou no mar. O que estava na areia ao meu lado resolveu fazer a mesma coisa.
Vendo os dois casais no mar fiquei com vontade de ir também. Depois que eles voltaram decidi entrar na água. Travei mais uma vez. Ali atrás, na minha cadeira, eu estava quase que escondida. Para ir até a água teria que cruzar toda a faixa de areia, certamente todo mundo olharia. Fiquei um tempão travada na cadeira, sem conseguir levantar, até que o rapaz do quiosque me trouxe o guarda-sol. Ele parou do meu lado e começou a fazer um buraco na areia. Aquilo chamou a atenção de todo mundo e, de repente, todos olhavam na minha direção. Bom, definitivamente não tinha mais o que esconder. Meio sem jeito levantei e fui para a água.
O mar estava bem agitado, ondas fortes obrigavam quem estava na água a mergulhar e pular o tempo todo. Aí eu entendi a coisa da harmonia com a natureza. Entrar nua no mar é algo que vale a pena.
Praticar atos de caráter sexual (na praia) é proibido
Na volta para a cadeira, comecei a sentir mais olhares. Depois que sentei, o tiozão da barriga de chope (e bem-dotado) passou umas três vezes na minha frente. Cada vez mais perto. O velhinho exibido também parou na minha direção. Ele virava de frente e de costas, tipo modelo na passarela. Mas o que eu achei mais estranho foi o rapaz bonitão do casal ao lado. Ele parecia estar me olhando e parecia estar sorrindo.
Parecia não, ele estava me olhando e sorrindo. E com namorada linda ao lado. Aí ele conversava um pouco com ela, trocavam carinhos e ele voltava a me olhar. Não, não devia ser pra mim, mas parecia.
Aí ele se virou. Estava deitado de frente para o mar e virou de frente para mim. Para mim? Não. Deve ser o sol. Às vezes acontece de as pessoas na areia se deitarem de acordo com o sol, para bronzear melhor. Mas o rapaz olhava fixamente para mim e sorria. E fazia carinho na namorada. E ela nele. Os dois conversavam numa boa. E ele voltava a me olhar.
Bom, já tinha feito tudo o que se tem para fazer em uma praia de naturismo. Decidi ir embora. Peguei minha roupa e fui para a ducha na grama. O velho exibido veio também. Tomei banho com ele há menos de dois metros de mim. Desviei o olhar e fiquei enrolando na ducha até ele sair de perto. Vesti rapidinho minha calcinha amarela e todo o resto, peguei minhas coisas e fui embora.
Chegando no carro, ouço naquele sotaque cantadinho de catarinense: “Estás indo embora?”. Olhei pra trás. Era o bonitão do casal. Entrando no carro respondi que sim. Ele se abaixou na minha janela.
– Tu já saíste com um casal antes?
Fonte: viajeaqui.abril.com.br
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