O engenheiro Antônio Augusto de Almeida tem histórico de seriedade e de luta pelas questões ambientais. Professor, ambientalista, sanitarista, Antônio Augusto foi secretário de Meio Ambiente de João Pessoa, na gestão do prefeito Ricardo Coutinho, atual governador do Estado da Paraíba, e é vice-presidente da Associação dos Amigos da Natureza. (RM)
Folha do Meio - O projeto Reserva de Garaú vai ocupar uma área
contínua de 186 hectares. Que impactos ambientais vão ocorrer para a
fauna e flora da região?
Antônio Augusto - A área escolhida para implantação do projeto é a mais preservada e a que ainda guarda as características básicas do ecossistema local, entre as quais a fauna remanescente. As demais áreas já estão antropisadas. “Essa coisa do empresário imobiliário se apropriar de uma área notável por suas características naturais e paisagísticas, que é um patrimônio da sociedade, para agregar valor ao produto e, consequentemente, maximizar o lucro do capital, é uma velha estratégia posta em prática nos países que ainda não tem uma consciência da sustentabilidade”.
FMA - Pelo mapa de ocupação da área, se percebe que a
cobertura florestal a ser conservada corresponde a apenas a uma franja
perimetral a Leste do empreendimento. Nesse caso, a nesga de floresta
residual passaria a exercer uma função paisagística simplesmente?
Antônio Augusto - Exatamente. A flora que restará terá função simplesmente
paisagística para vender o empreendimento e depois passará a sofrer
pressão porque “incomoda” pois tem custo de manutenção e segurança.
Essa coisa do empresário imobiliário se apropriar de uma área notável
por suas características naturais e paisagísticas, que é um bem comum de
todos ou, patrimônio da sociedade, para agregar valor ao produto e,
consequentemente, maximizar o lucro do capital, é uma velha estratégia
posta em prática nos países que ainda não tem uma consciência da
sustentabilidade. Em resumo: destrói a notabilidade, sai incólume da
cena do crime e transfere a culpa para os compradores e seja lá quem
for.
FMA - A área do empreendimento irá ocupar uma extensão de
floresta secundária, do bioma Mata Atlântica, em estágio avançado de
recomposição. A conservação dessa recuperação florestal não poderia
cumprir uma função pedagógica para difundir uma experiência de sucesso
que nasceu do acaso?
Antônio Augusto -Claro que sim, a natureza dá lições, a todo momento, porém a
ganância e a mentalidade da destruição impedem que se tirem proveito
delas.
FMA - Para construir esse complexo turístico, o empreendimento
terá que desflorestar praticamente a área toda. Não seria mais
interessante que esse projeto fosse deslocado para uma área já
degradada?
Antônio Augusto - Sim. A visão da
sustentabilidade econômica e socioambiental aponta para uma apropriação
de um patrimônio natural notável preservado, por uma maioria, inclusive
de empresas, que se instalassem no entorno, passando a gozar de uma
qualidade de vida cada vez melhor. Num país sério, o
responsável por um órgão ambiental que licencia um empreendimento
localizado numa APA, oficialmente instituída, mofaria na cadeia.
FMA - O incremento populacional previsto será de 8.800
pessoas, que corresponde a 41% do total de habitantes do município. Que
impactos poderiam ser causados por essa concentração de população
adicional?
Antônio Augusto - Imagine-se cerca de 9 mil
pessoas, numa estimativa por baixo, e mais de 1.400 veículos trafegando
em áreas pavimentadas. É a urbanização de uma área de preservação.
Infelizmente, em nosso país a culpa por prática de ilícitos, que
implicam em perdas de vidas ou danos coletivos diversos, acaba
diluindo-se e vem a impunidade. Num país sério, o responsável por um
órgão ambiental que licencia um empreendimento localizado numa APA,
oficialmente instituída, mofaria na cadeia.
FMA - Qual seria a vocação turística mais adequada para Tambaba, considerando-se o patrimônio ambiental existente?
Antônio Augusto - Como disse anteriormente ou, ao
invés de matar a galinha dos ovos de ouro, preservá-la, colher e fazer
eclodir seus ovos para se ter novas galinhas.
FMA - As experiências fracassadas de megacomplexos turísticos,
no Brasil e na Espanha, indicariam que a licença ambiental poderia ser
usada para mascarar o loteamento da área?
Antônio Augusto - Sim. Vivemos uma
vulnerabilidade total das instituições responsáveis pela implementação
das bases da sustentabilidade em nosso país, especialmente na Paraíba. A
verdade é que gestão ambiental em nosso estado – e muito no Brasil
inteiro - é somente formalidade para mascarar a legalidade.
FMA - O projeto arquitetônico apresentado não incorpora
nenhuma vinculação sustentável ou comprometida com o turismo ecológico.
De que forma poderia se praticar um turismo ambiental, que garantisse a
manutenção florestal e assegurasse o desenvolvimento econômico
vocacionado da região?
Antônio Augusto - Como já disse, é um projeto,
de um modo geral, votado para o lucro imediato e nisso, como não
poderia deixar de ser, está contribuindo a arquitetura convencional.
FMA - Considerando o prestígio internacional de Tambaba, de
que modo poderia ser praticado o turismo na área, como vetor econômico,
sem impactar o meio ambiente?
Antônio Augusto - Tambaba tem os pré-requisitos
para o desenvolvimento de um turismo sustentável, desde que preservada
na sua integridade. Há inúmeras experiências mundiais e algumas em nosso
país nesse sentido. São muitos os exemplos recentemente divulgados,
guardadas as diferenças culturais, como na Croácia.
FMA - Numa visão macro, que medidas a Prefeitura do Conde
deveria adotar para potencializar a vocação turística natural, sem
causar tantos danos ambientais?
Antônio Augusto - Uma prefeitura como a do
Conde deveria ter, além de uma legislação ambiental consubstanciada no
seu plano diretor, um projeto estratégico de desenvolvimento
sustentável.
Porém, não nos devemos iludir. Como está o sistema eleitoral e o
processo da gestão pública em nosso país e estado, em que não há
continuidade administrativa e o administrador se comporta como dono,
proprietário, não é fácil. A própria comunidade ambiental tem que
reagir. Há que haver mobilização séria na área política e junto aos
órgãos fiscalizadores.
Para salvar Tambaba, a própria comunidade ambiental tem que reagir. Há que haver mobilização séria na área política e junto aos órgãos fiscalizadores.
O crime ambiental choca os olhos de
quem visita a APA de Tambaba. O assentamento rural denominado Sítio
Tambaba virou cinza. Aproximadamente 10 hectares foram queimados para
virar lotes de 5x35m. Tambaba está ameaçada de ter um de seus recantos
mais nobres extinto para dar lugar a gigantesco complexo turístico,
composto de quatro resorts, com 1.892 apartamentos, um campo de golfe,
quatro condomínios com 959 lotes residenciais, três pousadas com 288
unidades habitacionais, três clubes, un centro comercial e
estacionamentos com 1.400 vagas.Como licenciar um empreendimento situado dentro de uma APA?
Fonte: Folha do Meio Ambiente