sexta-feira, 12 de abril de 2013

Antônio Augusto de Almeida - ENTREVISTA

“A agressão à APA de Tambaba é um triste exemplo. A verdade é que gestão ambiental em nosso estado – e muito no Brasil inteiro - é somente formalidade para mascarar a legalidade”.

O engenheiro Antônio Augusto de Almeida tem histórico de seriedade e de luta pelas questões ambientais. Professor, ambientalista, sanitarista, Antônio Augusto foi secretário de Meio Ambiente de João Pessoa, na gestão do prefeito Ricardo Coutinho, atual governador do Estado da Paraíba, e é vice-presidente da Associação dos Amigos da Natureza. (RM)

Folha do Meio - O projeto Reserva de Garaú vai ocupar uma área contínua de 186 hectares. Que impactos ambientais vão ocorrer para a fauna e flora da região?
Antônio Augusto -  A área escolhida para implantação do projeto é a mais preservada e a que ainda guarda as características básicas do ecossistema local, entre as quais a fauna remanescente. As demais áreas já estão antropisadas. 

“Essa coisa do empresário imobiliário se apropriar de uma área notável por suas características naturais e paisagísticas, que é um patrimônio da sociedade, para agregar valor ao produto e, consequentemente, maximizar o lucro do capital, é uma velha estratégia posta em prática nos países que ainda não tem uma consciência da sustentabilidade”.


FMA - Pelo mapa de ocupação da área, se percebe que a cobertura florestal a ser conservada corresponde a apenas a uma franja perimetral a Leste do empreendimento. Nesse caso, a nesga de floresta residual passaria a exercer uma função paisagística simplesmente? 
Antônio Augusto - Exatamente. A flora que restará terá função simplesmente paisagística para vender o empreendimento e depois passará a  sofrer pressão porque “incomoda” pois tem custo de manutenção e segurança.  Essa coisa do empresário imobiliário se apropriar de uma área notável por suas características naturais e paisagísticas, que é um bem comum de todos ou, patrimônio da sociedade, para agregar valor ao produto e, consequentemente, maximizar o lucro do capital, é uma velha estratégia posta em prática nos países que ainda não tem uma consciência da sustentabilidade. Em resumo: destrói a notabilidade, sai incólume da cena do crime e transfere a culpa para os compradores e seja lá quem for.

FMA - A área do empreendimento irá ocupar uma extensão de floresta secundária, do bioma Mata Atlântica, em estágio avançado de recomposição. A conservação dessa recuperação florestal não poderia cumprir uma função pedagógica para difundir uma experiência de sucesso que nasceu do acaso?
Antônio Augusto -Claro que sim, a natureza dá lições, a todo momento, porém a ganância e a mentalidade da destruição impedem que se tirem proveito delas. 
 
FMA - Para construir esse complexo turístico, o empreendimento terá que desflorestar praticamente a área toda. Não seria mais interessante que esse projeto fosse deslocado para uma área já degradada?
Antônio Augusto - Sim. A visão da sustentabilidade econômica e socioambiental  aponta para uma apropriação de um patrimônio natural notável preservado, por uma maioria, inclusive de empresas, que se instalassem no entorno, passando a gozar de uma qualidade de vida cada vez melhor. Num país sério, o responsável por um órgão ambiental que licencia um empreendimento localizado numa APA, oficialmente instituída, mofaria na cadeia.
 
FMA - O incremento populacional previsto será de 8.800 pessoas, que corresponde a 41% do total de habitantes do município. Que impactos poderiam ser causados por essa concentração de população adicional?
Antônio Augusto -  Imagine-se cerca de 9 mil pessoas, numa estimativa por baixo, e mais de 1.400 veículos  trafegando em áreas pavimentadas. É a urbanização de uma área de preservação. Infelizmente, em nosso país a culpa por prática de ilícitos, que implicam em perdas de vidas ou danos coletivos diversos, acaba diluindo-se e vem a impunidade. Num país sério, o responsável por um órgão ambiental que licencia um empreendimento localizado numa APA, oficialmente instituída, mofaria na cadeia.
 
FMA - Qual seria a vocação turística mais adequada para Tambaba, considerando-se o patrimônio ambiental existente?
Antônio Augusto - Como disse anteriormente ou, ao invés de matar a galinha dos ovos de ouro, preservá-la, colher e fazer eclodir seus ovos para se ter novas galinhas.
 
FMA - As experiências fracassadas de megacomplexos turísticos, no Brasil e na Espanha, indicariam que a licença ambiental poderia ser usada para mascarar o loteamento da área?
Antônio Augusto -  Sim. Vivemos uma vulnerabilidade total das instituições responsáveis pela implementação das bases da sustentabilidade em nosso país, especialmente na Paraíba. A verdade é que gestão ambiental em nosso estado – e muito no Brasil inteiro - é somente formalidade para mascarar a legalidade.
 
FMA - O projeto arquitetônico apresentado não incorpora nenhuma vinculação sustentável ou comprometida com o turismo ecológico. De que forma poderia se praticar um turismo ambiental, que garantisse a manutenção florestal e assegurasse o desenvolvimento econômico vocacionado da região?
Antônio Augusto -  Como já disse, é um projeto, de um modo geral,  votado para o lucro imediato e nisso, como não poderia deixar de ser, está contribuindo a arquitetura convencional.
 
FMA - Considerando o prestígio internacional de Tambaba, de que modo poderia ser praticado o turismo na área, como vetor econômico, sem impactar o meio ambiente?
Antônio Augusto - Tambaba tem os pré-requisitos para o desenvolvimento de um turismo sustentável, desde que preservada na sua integridade. Há inúmeras experiências mundiais e algumas em nosso país nesse sentido. São muitos os exemplos recentemente divulgados, guardadas as diferenças culturais, como na Croácia.
 
 FMA - Numa visão macro, que medidas a Prefeitura do Conde deveria adotar para potencializar a vocação turística natural, sem causar tantos danos ambientais?
Antônio Augusto -  Uma prefeitura como a do Conde deveria ter, além de uma legislação ambiental consubstanciada no seu plano diretor, um projeto estratégico de desenvolvimento sustentável. 
Porém, não nos devemos iludir. Como está o sistema eleitoral e o processo da gestão pública em nosso país e estado, em que não há continuidade administrativa e o administrador se comporta como dono, proprietário, não é fácil. A própria comunidade ambiental tem que reagir. Há que haver mobilização séria na área política e junto aos órgãos fiscalizadores.
 
Para salvar Tambaba, a própria comunidade ambiental tem que reagir. Há que haver mobilização séria na área política e junto aos órgãos fiscalizadores.
 
 
Fotos: Reginaldo Marinho 
 
O crime ambiental choca os olhos de quem visita a APA de Tambaba. O assentamento rural denominado Sítio Tambaba virou cinza. Aproximadamente 10 hectares foram queimados para virar lotes de 5x35m. Tambaba está ameaçada de ter um de seus recantos mais nobres extinto para dar lugar a gigantesco complexo turístico, composto de quatro resorts, com 1.892 apartamentos, um campo de golfe, quatro condomínios com 959 lotes residenciais, três pousadas com 288 unidades habitacionais, três clubes, un centro comercial e estacionamentos com 1.400 vagas.Como licenciar um empreendimento situado dentro de uma APA?