quinta-feira, 15 de maio de 2014

Festas de Porto Alegre têm uma nova moda: tirar a roupa

Participantes do movimento explicam que a prática da nudez tem conotação política e artística
Foto feita em uma das festas em que a prática da nudez é comum na Capital gaúchaFoto: Volt Project / Divulgação
Por Gustavo Foster

Faz calor em Porto Alegre quando começa mais uma edição da festa Cadê Tereza? na Casa de Teatro. O verão mais quente da história da Capital parece ainda mais intenso no andar de baixo do prédio, onde a música de Tim Maia que explode nos alto-falantes faz o ambiente ferver. Prender o cabelo em coques e jogar água no pescoço não adianta mais quando barrigas, dorsos, seios nus começam a aparecer.

Não se surpreenda: a cena não é algo raro em Porto Alegre mesmo agora nos dias mais frios. Ocorre desde dezembro em quase todas as edições da Cadê Tereza?, cuja edição mais recente foi na quarta-feira, mas poderia ter sido protagonizada em noites no Beco, no Cucko, no L.A.B., no Club 688 ou em outra dezena de baladas que já foram palco para pessoas ficarem nuas em meio a outras que permanecem vestidas. Se antes a prática se restringia a núcleos ligados ao feminismo, ao anarquismo ou à arte, desde o ano passado passou a respingar em locais de público mais heterogêneo de Porto Alegre.

Vídeo: participantes explicam a motivação para a prática da nudez em festas.
Participante de festas desse gênero, a jornalista e produtora Liege Ferreira, uma das idealizadoras do coletivo Cometa Nuh, que mistura poesia, performances e imagem, explica que "tudo depende do ambiente". O movimento, segundo ela, surgiu em núcleos identificados com consciência política, grupos que têm a intenção de questionar a sociedade. A tendência de mais pessoas passarem a repetir o ato se dá pela aceitação da proposta por trás da nudez.

–  É interessante quando se está no meio de várias pessoas e sente a liberdade tomar conta de um espaço muito rapidamente. As pessoas percebem: "Nossa, eu posso ficar à vontade e isso não significa que quero pegar geral". É uma consciência do próprio corpo e do próprio espaço. É legal ver três, quatro pessoas tirando a blusa e daqui a pouco todo mundo começa a tirar, e os meninos também. A nudez vira algo natural. Isso pode ser abordado de várias formas, tanto artisticamente quanto politicamente – analisa.

Polêmica na internet e fora dela

Não é à toa que a prática rapidamente tornou-se alvo de debate em fóruns, redes sociais e nas próprias festas. A psicóloga Jamille Moraes, integrante do centro de referência em direitos humanos, relações de gênero e sexualidade do Núcleo  de Pesquisa em Sexualidade e Relações de Gênero (Nupsex) da UFRGS, interpreta a nudez como "um ato político":

– São as pessoas contestando, desconstruindo uma repressão que existe, principalmente em relação ao corpo da mulher, que é escondido e hipersexualizado. E, além da esfera maior desse ato político, existe a esfera individual, de mulheres se sentindo mais livres de um tabu que é internalizado – avalia.

Jamille é enfática ao fazer links entre o movimento crescente de nudez em festas e fatos como a Marcha das Vadias, os protestos de junho do ano passado e a recente pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que revelou que mais de um quarto da população concorda que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Para a pesquisadora, "o tom de contestação está muito forte em Porto Alegre", o que estimula manifestações desse tipo:

– Temos uma cena anarquista e feminista muito forte aqui em Porto Alegre, uma mobilização organizada e articulada, que vem borbulhando e ganha força com esse sentimento geral de contestação. Nas festas, isso cria uma bolha de proteção e faz com que as meninas não se sintam mais sozinhas. E, como é festa, tem de tudo: guris que se chocam, xingam e desvalorizam. Uns tentam agarrar as participantes.

"Vadia", "vagabunda", "não tem mais o que fazer", "quer aparecer". Não é difícil ouvir reações como essas sempre que uma mulher tira a roupa numa festa ou vê-la estampada nas caixas de comentários assim que o assunto é abordado na internet.  Nanni Rios, a organizadora da Cadê Tereza?, conta que nos meses seguintes à edição de dezembro (aquela do calor senegalês), o boca a boca transformou a festa no "lugar aonde as gurias vão sem roupa". Ela passou a receber reclamações de abusos: frequentadores iam à Casa de Teatro com a intenção de participar de uma festa do cabide, como se fosse tudo liberado, os guris começaram a se passar. A solução: criar a já citada "bolha de proteção" para intimidar quem desrespeitasse as meninas.

– Fiquei muito atordoada. Combato isso, como militante feminista, e não queria fazer uma festa onde isso acontecesse. Tivemos uma discussão aberta no Facebook sobre o tema. Convoquei as garotas e falei para elas se unirem no momento que aquilo ocorresse, para mostrar que os caras estavam passando dos limites – conta Nanni, que comemora mais espaço para debater os temas na sociedade. – Quando começou essa onda de protestos e eventos para ocupar a cidade, as pessoas se uniram mais.

Ativista da causa, Pepe Martini é o criador do Movimento Peladista. Organiza a Pedalada Pelada e discute intensamente a nudez como ato político. Ele vê o assunto "lentamente entrando em pauta". Considera o assunto ainda tabu, mas vê a discussão evoluindo.

– Minha pilha não é criar uma comunidade isolada com gente pelada, mas de naturalizar a nudez e o próprio corpo. Isso ajudaria a terminar com outras opressões. Não quero que todos andem pelados, quero apenas que quem quiser tenha o direito de fazê-lo sem ser preso, agredido ou estuprado. Do que as pessoas têm medo?

::: Onde a prática já ocorreu na Capital desde dezembro/2013 (vale salientar que as festas são apenas para maiores de idade)

Beco (Independência, 936)
L.A.B. (Lima e Silva, 426)
Cucko (Lima e Silva, 1037)
Club 688 (Siqueira Campos, 688)
Astro (Goethe, 141)
Casa de Teatro (Garibaldi, 853)
DCE do Campus da Saúde da UFRGS (Ramiro Barcelos, 2600)

Fonte: zh.clicrbs

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