quarta-feira, 15 de maio de 2013

Toda nudez será...

...permitida em dois locais em Minas, na Grande BH e no Sul do estado. Associações naturistas do país lutam para descriminalizar a nudez social.
Estância Rama Nat, em Extrema: frequência caiu 70%. A maioria é de pessoas acima de 50 anos
 Não é preciso viajar para o litoral para ficar nu em público. Minas também concentra redutos onde a regra é circular sem nenhuma peça de roupa, em qualquer estação do ano. É o que acontece em um sítio de São Gonçalo do Rio Abaixo, a 84 km de Belo Horizonte, onde 28 famílias e uma centena de simpatizantes se reúnem todos os fins de semana para celebrar a cultura do naturismo.

A história do grupo remonta ao início dos anos 2000, tempo em que o técnico em informática Weslley Vinicius Lima, 32, de João Monlevade, viajava para a praia de Barra Seca, em Linhares (ES), e para o clube Colina do Sol, em Taquara (RS), dois famosos centros de nudismo no país. “Meu sonho era ter uma área em Minas onde pudéssemos vivenciar o naturismo 24 horas por dia”, conta. Foi daí que, em 2005, nasceu a Comunidade Naturista Encanto de Minas (Cnem), único núcleo do estado filiado à Federação Brasileira de Naturismo (FBrN).

De início, os naturistas mineiros se reuniam em um sítio alugado em Bom Jesus do Amparo, na região Central de Minas. Só em dezembro de 2006, adquiriram o sítio em São Gonçalo do Rio Abaixo. Para chegar lá, é preciso enfrentar quatro quilômetros de estrada de terra. “O espaço ainda não tem infraestrutura, nem luz elétrica, apenas área para camping. Nosso objetivo é construir residências ecológicas, com madeira de eucalipto e pinho”, diz Weslley, que mudou de trabalho e de cidade apenas em função da comunidade. A propósito, ele, a mulher, a filha e a sogra – todos naturistas – pretendem se mudar para o núcleo quando as casas ficarem prontas. Em setembro de 2012, a comunidade também deverá receber o 1º Encontro de Jovens Naturistas do Brasil.

Discretos e avessos à mídia, os integrantes da Encanto de Minas não aceitaram ser fotogrados. “Mas nunca tivemos problemas em relação às regras da Federação. Temos recebido até mesmo turistas estrangeiros, mas todos os visitantes passam por filtros”, garante Weslley. Para começo de conversa, curiosos não são permitidos nas comunidades. Digamos que é respeitoso permanecer nu, sem trajes de banho e roupas íntimas. Promover atos obscenos ou de caráter sexual está fora de cogitação, bem como fotografar ou filmar outros naturistas sem sua permissão. Homens não podem entrar desacompanhados; a preferência é para casais.

Embora não seja filiada à FBrN, a Estância Naturista Rama Nat, em Extrema, no Sul de Minas, também busca seguir essas diretrizes. Fundado em 1997, o sítio de 23 hectares, 19 quartos e área para camping funciona como pousada para fins de semana, feriados e day use. “Já chegamos a receber cerca de 150 pessoas em apenas um dia”, conta o proprietário, o administrador José Antonio Ramalho, 65.

A frequência da casa, porém, caiu cerca de 70% desde o início da atividade. Ramalho lembra que, nos primeiros anos, a pousada estava sempre com lotação máxima e o camping abrigava mais de 20 barracas. Hoje, a média mensal é de 60 a 70 casais, a maioria com faixa etária acima de 50 anos. “Os naturistas estão desaparecendo. Os filhos dos casais que costumavam frequentar não têm  muito interesse em continuar a prática.  Mas sem a continuidade familiar, daqui a pouco não tem mais nada”, lamenta.

Em contrapartida, há quem prefira esse estilo, digamos, maduro do nudismo, como o segurança aposentado, Lídio Julião, 57, naturista desde 2000 e hóspede da Rama Nat há cerca de cinco anos. “Aqui, não há molecada, garoto que tem vergonha de tirar a roupa ou ciúme de que outro homem veja a mulher dele nua. O clima é bem familiar”, diz. Julião também costuma ir a outros centros de nudismo, como a praia do Pinho, em Balneário Camboriú (SC), sempre acompanhado da namorada, Clara. “Quando contei, sua reação foi um misto de surpresa e curiosidade. Hoje em dia, também é muito normal para ela.”

Em geral, os adeptos se encantam com a naturalidade com que pessoas de todas as classes sociais e   os tipos físicos se despem. “Além de quebrar tabus e de entrar em contato com a natureza, o interessante é que todo mundo é igual, não tem divisão de ricos e pobres, ninguém está acima do outro”, observa o empresário Celso, 45, que preferiu não revelar o sobrenome. Ele e a mulher, Rosi, são naturistas há 15 anos e costumam frequentar as estâncias mineiras e praias do Nordeste e no Sul do país. “Desde o início, decidimos praticar juntos. Para ela, foi um pouco mais difícil no começo, como para todas as mulheres. Mas, depois, começou a ser algo prazeroso”, conta.

Mesmo com mais de 500 mil praticantes no país, o naturismo ainda não possui legislação definida. O projeto de lei 13/2000, do ex-deputado federal Fernando Gabeira (PV), está arquivado no Senado. Dessa forma, a prática depende da autorização do município. “Pretendemos reavaliar o texto e as estratégias para que o documento seja aprovado em nível nacional, com apoio dos senadores regionais”, antecipa o presidente da FBrN, João Olavo Rosês. Segundo ele, “o objetivo é descriminalizar totalmente o ato de ficar nu, que ainda pode ser enquadrado como atentado ao pudor, e reconhecer e identificar os lugares em que a prática é permitida”. Entre 28 de abril e 1º de maio, os líderes da federação se reuniram no clube Rincão Naturista, em Guaratinguetá (SP) para discutir o novo projeto.

Rosês frisa que o naturismo não é simplesmente tirar a roupa em público. “A nudez é uma consequência da vida em harmonia com a natureza. Não basta ficar nu. Tem que praticar a filosofia, que se preocupa com a gestão ambiental e a alimentação saudável”, explica.
A atriz Luz Del Fuego

Sobre serpentes e nudez
Tirar a roupa em público é um tabu quase moderno. Adão e Eva, no Paraíso, não viam nenhum problema em andar pelados. Até que surgiu a serpente e... Bem, você conhece a história. Dizem que o casal inaugurou a primeira veste do mundo. Mas não sem resistência.

Na Antiguidade, gregos, romanos e até cristãos tomavam banhos coletivos, sem pudores. Os esportistas também costumavam se exercitar nus. E ninguém achava isso imoral.

Com o obscurantismo da Idade Média, a igreja associou o sexo ao pecado capital – à serpente de Adão e Eva –, e a nudez começou a ser vista como algo vergonhoso e obsceno. Não à toa, os portugueses se espantaram com as vergonhas dos índios brasileiros e logo trataram de cobri-las.

Foram os alemães quem quebraram os padrões e trouxeram o naturismo de volta à cena, no início do século 20. Em 1906, o treinador Adolf Koch passou a estimular seus alunos a se exercitarem nus e criou o primeiro campo nudista do mundo. Eventos semelhantes pipocaram pela Europa. Quase meio século depois, em 1953, os franceses optaram pela expressão naturista e instituíram a Federação Internacional de Naturismo, na comuna de Montalivet. A ideia não era apenas estar sem roupa (nudismo), mas viver em grupo e integrado com a natureza (naturismo). Atualmente, a Alemanha encabeça a lista de adeptos (7 milhões), seguida pela França, que possui 400 locais oficiais.

A velha novidade chegou ao Brasil nos anos 1950, com a atriz Dora Vivacqua, a Luz del Fuego. Ela tinha o hábito de andar nua, enrolada em... serpentes. Em 1954, a vedete criou o primeiro clube de naturismo do país, na Ilha do Sol (RJ). A data de seu nascimento, 21 de fevereiro, entrou para a história como o Dia Nacional do Naturismo.


O Brasil concentra 30 locais naturistas oficiais, entre eles sete praias. Conheça alguns deles:

    - Clube Naturista Planalto Central (Brasília, DF)
    - Goiás Nat (Bela Vista de Goiás, GO)
    - Grupo Graúna (Manaus, AM)
    - Praia de Tambaba (Conde, PB)
    - Praia de Massarandupió (Entre Rios, BA)
    - Praia de Barra Seca (Linhares, ES)
    - Comunidade Encanto de Minas (São Gonçalo do Rio Abaixo, MG)
    - Praia de Abricó (Rio de Janeiro, RJ)
    - Sítio Mirante do Paraíso (Igaratá, SP)
    - Naturistas do Interior de São Paulo (Campinas, SP)
    - Praia do Pinho (Balneário Camboriú, SC)
    - Praia da Galheta (Florianópolis, SC)
    - Praia de Pedras Altas (Palhoça, SC)
    - Ecovila Naturista Colina do Sol (Taquara, RS)


Fonte: Revista Viver Brasil